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Operação Lagosta - A Guerra que não Aconteceu (Parte I)

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Kadu Queiroz
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Operação Lagosta - A Guerra que não Aconteceu (Parte I)

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Operação Lagosta - A Guerra que não Aconteceu (Parte I)
Guilherme Poggio


Fonte - Poder Naval Online

O céu, meio encoberto, tornava aquela noite ainda mais escura. Havia apenas uma ligeira brisa que soprava sobre a superestrutura, deixando aquela madrugada bastante agradável para os atentos vigias noturnos. Contrastando com a plácida noite, o clima no interior do Centro de Informações de Combate (CIC) do contratorpedeiro Paraná era de muita tensão. Com toda a atenção voltada para as telas repetidoras dos radares, os operadores acompanhavam cada irradiação das antenas com o propósito de identificar um alvo em específico: o contratorpedeiro francês Tartu. O indesejado navio rumava para a costa do Nordeste, por ordem direta do seu presidente, para defender pescadores franceses que atuavam ilegalmente na plataforma continental brasileira.

Sozinho o Tartu não era uma grande ameaça, mas bastava uma atitude precipitada e todo o Grupo Tarefa do navio-aeródromo Clemenceau, que estava na costa oeste da África, atingiria o litoral do Nordeste brasileiro em aproximadamente três dias.

Às quatro horas da madrugada o pessoal do quarto d´alva assumiu o serviço e aqueles que estavam em seus postos desde a meia noite foram descansar, ou pelo menos tentaram. Todos a bordo do Paraná tinham ciência das limitações, tanto materiais como de adestramento. Mas o que mais tirava o sono dos homens era a quantidade de munição a bordo, suficiente para apenas meia hora de combate e nenhum torpedo para disparar. Mesmo com todas essas dificuldades, eles procurariam defender um recurso natural de propriedade nacional - a lagosta da plataforma continental.

O interesse estrangeiro pelos recursos naturais do Brasil é tão antigo quanto o descobrimento do próprio território pelos portugueses. Nas primeiras décadas do século XVI, corsários franceses passaram a atuar na costa brasileira, extraindo ilicitamente o pau-brasil para as indústrias têxteis da Normandia. A situação agravou-se durante o reinado do Rei Francisco I, que passou a questionar a legitimidade de Portugal em relação à colônia do Brasil (para maiores detalhes sobre este episódio, ver o texto sobre o Primeiro Combate Naval no Brasil).

Naquela época a diplomacia falhou e a situação teve que ser decidida pela via militar. Embora não configurasse um conflito direto entre os reinos de Portugal e França, a disputa pelo controle do Brasil deflagrou uma verdadeira guerra colonial. Passaram-se quase cem anos de intermitentes combates até que os franceses fossem definitivamente expulsos do Brasil. Pouco menos de três séculos e meio depois a história quase se repetiu.

Situação política da França no final da década de 1950

Em 1945 a França possuía um vasto império colonial, somente superado pelo britânico. No entanto, a manutenção de tamanhas possessões espalhadas pelo globo não estava relacionada com fatores econômicos ou mesmo estratégicos. A principal razão para a manutenção de seu império era política. Do ponto de vista externo, as possessões ultramarinas davam à França o prestígio necessário para elevá-la à categoria de "potência".

Os primeiros movimentos nacionalistas em colônias francesas ocorreram na Indochina a partir de dezembro de 1946. Seguiram-se manifestações de resistência na ilha de Madagascar (março de 1947), tumultos na Tunísia e no Marrocos. Em todos estes casos, tropas francesas foram enviadas para conter os insurgentes.

Por outro lado, alguns domínios na Ásia (Índia Francesa) foram simplesmente abandonados. Na Indochina, as forças francesas e seus aliados locais foram derrotados em Dien Bien Phu em maio de 1954. Dois meses depois a França deixou o Sudeste Asiático após oito anos de um conflito de muito desgaste e fraco suporte popular.

Em novembro daquele ano explodiu a revolta dos nacionalistas argelinos. A Guerra da Argélia, como ficou conhecida, teve drásticas repercussões na política interna da França, sendo a origem da queda da IV República e seus instáveis governos de coalizão. Como resultado, o veterano General Charles de Gaulle foi reconduzido ao poder em 1958 e o sistema parlamentar foi substituído pelo presidencialismo. Em relação às colônias, o antigo conceito de "União Francesa" foi substituído pelo modelo de "Comunidade Francesa". Assim, as colônias não eram mais integradas à França e sim associadas. Na verdade, o novo modelo simplesmente facilitou o caminho da independência das colônias francesas e, em pouco mais de dois anos, 14 países novos foram criados somente na África.

Net Marine
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O cruzador Colbert, (na foto acima ) foi chamado para conter o ataque tunisiano à base naval de Bizerta em julho de 1961. Os franceses massacraram os invasores, mas tiveram um revés político enorme. Atendendo à opinião internacional, eles se retiraram da Tunísia em 1962, ano em que o Império foi totalmente dissolvido.

Mas a guerra prosseguiu na Argélia. Com o propósito de buscar uma saída para o conflito, o general de Gaulle propôs uma certa autonomia ao território argelino. A proposta desagradou os dois lados em combate. Mesmo assim, de Gaulle seguiu insistindo nas negociações de paz e em março de 1962 chegou a um acordo com a Frente de Libertação Nacional da Argélia. Aqueles que lutaram para manter a Argélia como parte da comunidade francesa retornaram descontentes para a França. Encerrou-se assim um longo ciclo de fragmentação do Império Francês.

A perda de seus territórios mexeu com os brios dos franceses. Para reerguer a auto-estima da população, de Gaulle lançou a "politique de grandeur", um conjunto de ações econômicas e políticas com o objetivo de conduzir o país a uma total independência mundial, tornando-o uma opção em relação à bipolarização EUA/URSS. A França começou a retirar-se da OTAN paulatinamente a partir de 1959, detonou sua primeira bomba atômica em 1960 e passou a projetar e desenvolver uma força estratégica nuclear independente. Esta era a França no início da década de 1960, época em que aconteceu o incidente com o Brasil.Um país buscando seu espaço independente no novo mundo que se formava e tentando esquecer seu passado colonial.

A situação interna no Brasil

A década de 1950 foi marcada por diversas interferências das Forças Armadas na condução da política nacional. Eventos como a "República do Galeão" e o movimento de 11 de novembro (de 1955) demonstravam que parte dos militares estavam insatisfeitos com a condução do país e até mesmo divididos entre si.

Os cinco anos de governo do presidente Juscelino Kubitschek representaram uma certa calmaria aos ânimos inflamados. Mas em 1961, Jânio Quadros, através do voto popular, assumiu a presidência. Destemperado em suas atitudes, conseguiu descontentar diversos setores da sociedade nacional e aliados estrangeiros. Tentou impor uma política externa independente. Relutou em aceitar o bloqueio norte-americano à ilha de Cuba e pronunciou-se favoravelmente ao reatamento de laços diplomáticos com a URSS e seus aliados da "cortina de ferro". Como se não bastasse, condecorou "Che" Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul quando da passagem deste pelo Brasil. Tudo isso em apenas sete meses.

Arquivo Nosso Século
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Agosto de 1961. Jânio Quadros entrega a Ordem do Cruzeiro do Sul a "Che" Guevara. As atitudes inábeis do presidente, no auge da Guerra Fria, colocaram o país em situação difícil no Hemisfério Ocidental.

O mundo vivia o auge da "Guerra Fria" e atitudes como as adotadas pelo presidente Jânio Quadros, por mais insignificantes que fossem, tinham reflexos enormes no panorama internacional. Sua inabilidade política levou-o à renúncia (25 de agosto de 1961). O caminho de João Goulart, vice de Jânio, à presidência não foi menos tumultuado. Os ministros militares pronunciaram-se contra a posse do sucessor, mas militares do Rio Grande do Sul estavam dispostos a ir à luta para garantir a legalidade. Aprofundava-se a divisão nas Forças Armadas. Foi então criada uma "saída legal" pelo Congresso com a instituição do parlamentarismo.

O presidente Jango não teve trégua durante todo o seu mandato e a crise política instaurou-se de vez. Nem mesmo o plebiscito de janeiro de 1963, que conduziu o país novamente ao presidencialismo, foi suficiente para apaziguar os ânimos. Para piorar o quadro, a situação econômica herdada do governo Juscelino levava o país a uma inflação de 52% ao ano no final de 1962.

Desde a vitória de Jânio em 1960 e suas "ações independentes" na política externa, passando pelas relações de Jango com a esquerda brasileira, o governo brasileiro passou a ser mal visto pelos EUA e seus aliados europeus. Em qualquer crise externa que o Brasil enfrentasse, o governo dos EUA pensaria duas vezes antes de assumir uma posição solidária.

Surge o interesse pela lagosta

Durante séculos, a captura da lagosta ao longo da costa do Nordeste brasileiro foi realizada de forma rudimentar, somente para subsistência das famílias da região ou abastecimento do pequeno mercado local. A partir da década de 1930 o crustáceo começou a ter maior valor comercial.

Mas esta atividade econômica só despertou o interesse de companhias estrangeiras na década de 1950, quando empresas japonesas decidiram enviar barcos de pesca para o litoral do Nordeste. A licença foi emitida e, em contrapartida, o Governo Brasileiro exigiu a nacionalização de parte da tripulação dos barcos. Com dificuldade em cumprir tal exigência, os japoneses preferiram abandonar a pesca e comprar a lagosta diretamente dos jangadeiros brasileiros, obtendo uma boa lucratividade. Desta forma, estabeleceu-se uma atividade regular de captura naquela região, tornando-se realmente uma atividade econômica de valor. Em paralelo, a atividade contribuiu para o desenvolvimento da indústria de congelamento, além do aumento da atividade nos portos de Fortaleza e Recife por causa da exportação do crustáceo. Em 1955 exportaram-se 40 toneladas de lagosta. Cinco anos depois, este número subiu para 1.200 toneladas.

O interesse francês na costa do Nordeste surgiu no início da década de 1960, ou seja, alguns anos depois dos acordos com o Japão. Uma delegação foi enviada ao Recife para negociar a vinda de três barcos de pesca franceses com o intuito de realizar pesquisas sobre viveiros de lagosta. A CODEPE, órgão federal responsável pelo desenvolvimento da pesca no país, emitiu uma autorização de pesquisa em março 1961, válida por 180 dias. Esta licença contemplava apenas três embarcações.

No entanto, autoridades brasileiras já estavam preocupadas quanto ao real motivo da vinda dos pesqueiros. Foi decidido que representantes da Marinha do Brasil embarcariam nos navios franceses para atuar como fiscais de pesca. Após alguns embarques, os militares constataram que os navios estavam realmente capturando lagosta em larga escala e realizando pesca predatória com arrasto. Além disso, a licença de pesquisa emitida limitava-se a três barcos e a França enviou quatro. A partir do relatório dos militares embarcados decidiu-se pelo cancelamento da licença e o último pesqueiro partiu de volta para a França no final de abril de 1961.

Em novembro os franceses solicitaram uma nova licença para a realização de pesquisas e experiências no litoral nordestino. Desta vez foi argumentado que elas seriam realizadas na plataforma continental, fora das águas territoriais brasileiras. E assim, uma nova leva de pesqueiros franceses chegou ao litoral nordestino no final de 1961.
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