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Operação Lagosta - A Guerra que Não Aconteceu (Parte V)

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Kadu Queiroz
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Operação Lagosta - A Guerra que Não Aconteceu (Parte V)

Mensagem por Kadu Queiroz »

Operação Lagosta (Parte V - Final)
A Guerra que Não Aconteceu

Guilherme Poggio

MUSAL
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Reprodução de manchete de um jornal da época

O Tartu é substituído

A França resolveu enviar o Tartu de forma solitária. Mais cedo ou mais tarde um navio-tanque teria que abastecê-lo e prestar apoio logístico ou uma outra unidade de combate seria enviada para substituí-lo. Caso o navio-tanque Baise deixasse o grupo do Clemenceau, este e os outros nove navios que o acompanhavam ficariam sem suporte. Sobrava então a opção de substituir o Tartu por outro navio equivalente que acompanhava o grupo do Clemenceau. No entanto, a decisão surpreendeu os brasileiros e até mesmo muitos franceses. Decidiu-se enviar o aviso Paul Goffeny, reconhecidamente um navio muito menos capaz que o Tartu.

O "Aviso" Paul Goffeny (A 754)

As informações sobre o Paul Goffeny são escassas, mas sabe-se que o mesmo começou operando como tender de hidroaviões para a Marinha da Alemanha Nazista e o seu nome original era Max Stinsky. O navio foi construído pelo estaleiro Norderwerft Koser & Meyer de Hamburgo ainda no início da II Guerra Mundial juntamente com outras três unidades da classe Karl Meyer. Durante a guerra dois foram afundados e os outros dois sobreviventes enviados para a Inglaterra em dezembro de 1945.

Os dois navios foram repassados para a França em 1948 e renomeados Commandant Robert Giraud (F 755?) e O. E. Paul Goffeny (F 754). Até 1955 o Goffeny operou como tender de hidroaviões na Indochina, dando suporte ao esforço de guerra francês naquela parte do mundo. Posteriormente foi convertido em navio de patrulha e salvamento no Atlântico Sul até o ano de 1964. Possivelmente nesta época seu indicativo tenha mudado para A 754, sendo reclassificado como "Aviso". No período entre 1964 e 1968 serviu como navio hidrográfico sendo definitivamente desativado em dezembro de 1968.

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O Paul Goffeny mostrando o indicativo F 754 e ainda servindo como tender de hidroaviões. Abaixo do mastro e próximo à chaminé é possível observar o reparo simples de 40 mm de boreste.

Era um navio limitado em todos os sentidos para operar distante de um grupo de apoio ou de bases costeiras. Em alguns aspectos exercia atividades semelhantes às corvetas Imperial Marinheiro da MB, sendo um pouco maior e mais armado que estas últimas, porém mais desatualizado.

FICHA TÉCNICA

Deslocamento
1.000 t (padrão); 1.380 t (carregado)

Dimensões
78 m de comprimento; 11 m de boca, 3,8 m de calado

Propulsão
quatro motores diesel MAN; dois eixos; 8.800 hp

Velocidade
máxima de 20,5 nós

Autonomia
4.000 milhas a 18 nos

Armamento
1 canhão de 105 mm; 2 canhões de 40 mm; quatro metralhadoras antiaéreas (dois reparos duplos) de 20 mm.

Sensores
-
Tripulação
71 homens (sendo 4 oficiais)

As estações radiogoniométricas passaram a rastrear as emissões eletromagnéticas do Paul Goffeny também e descobriram que o encontro entre o Tartu e o Aviso francês ocorreria no dia 2 de março.

O comandante do GT 12.2 ordenou então que o contratorpedeiro Pará se dirigisse para o local provável do encontro. Às 9:15h um avião da FAB comunicou ao Pará que já orbitava sobre os navios franceses e passou a posição para o contratorpedeiro brasileiro. O contato visual com o contratorpedeiro francês ocorreu às 10:34h. Junto com ele estavam o Paul Goffeny e os seis pesqueiros. O Pará passou a acompanhá-los de longe e às 12:59h o Tartu adotou o rumo 032º, em direção à África. Mesmo assim, o Pará permaneceu na região acompanhando a movimentação dos navios. No dia seguinte foi rendido pelo Pernambuco.

Uma mensagem do Tartu para Dacar solicitando o seu reabastecimento foi interceptada, indicando que o mesmo realmente se retirava da área. Para confirmar esta informação, os P-15 acompanharam a viagem de retorno do Tartu por um longo tempo.

A troca do Tartu pelo Paul Goffeny foi um grande alívio para os brasileiros. De certa forma era uma clara indicação de que o governo francês havia recuado, mas não capitulado. O assunto também perdeu destaque na imprensa e o povo francês teve o seu interesse grandemente reduzido. Somente entre os armadores de Camaret houve uma revolta contra a atitude de seu governo.

Chegada dos reforços

O Marcílio Dias, rebocado pela Imperial Marinheiro, fundeou em Salvador na noite do dia 5. Nesta mesma noite atracaram em Salvador os contratorpedeiros Acre e Apa. Ambos deveriam receber os torpedos e transportá-los para Recife, com o propósito de repassá-los aos contratorpedeiros da Classe Pará.

Após uma longa e tumultuada viagem, o Tamandaré chegou ao porto de Salvador no dia 7. O cruzador trazia a bordo ferramental necessário para o reparo das caldeiras do Barroso, então atracado em Recife. No entanto, as mesmas só foram encaminhadas para Recife (via aérea) uma semana depois!

Nesta mesma data o Acre e o Apa partiram para Recife com a carga de torpedos. Os dois contratorpedeiros chegaram ao porto de destino no dia seguinte, mas o Apa entrou em emergência. Além de estar com seus geradores elétricos (a diesel) totalmente inoperantes, também possuía pouca água de reserva, pois o grupo destilatório apresentava problemas de salgamento. Acabou atracando diretamente a contrabordo do Pernambuco, e teve início então a transferência dos torpedos. Difícil e demorada, a faina acabou ocorrendo durante a noite e sob o olhar de uma grande multidão de civis que se aglomerava no cais, ao lado dos navios. Num determinado momento, um dos torpedos caiu na água e gerou um grande susto. O mesmo foi resgatado, mas prolongou mais ainda a faina.

Marine Nationale via Netmarine
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O contratorpedeiro Jauréguiberry da mesma classe do Tartu. Durante um certo tempo correu a falsa notícia de que o Jauréguiberry substituiria o Paul Goffeny.

Enquanto parte dos navios da Marinha deslocados para a zona de operação sofria reparos de emergência, os navios do GT 12.2 continuavam monitorando os pesqueiros franceses e o Goffeny. O Pará que havia rendido o Paraná, seguia acompanhando o grupo francês. Ainda no dia 7 de março um dos seis pesqueiros retirou-se da área. O que parecia ser mais um alívio, transformou-se em tensão novamente quando notícias desencontradas davam conta que o contratorpedeiro Jauréguiberry (da mesma classe do Tartu) seguia para a costa brasileira. Mas este, posteriormente, tomou o rumo na direção de Dacar. No dia 8 mais um lagosteiro afastou-se do litoral brasileiro.

Por volta das 18:00h do dia 9 o Araguari rendeu o Pará e este retornou para Recife assim que passou o serviço. Na manhã do dia 10 o Paul Goffery e os quatro lagosteiros afastaram-se do Atol das Rocas seguindo na direção de Dakar. A informação foi confirmada por uma aeronave da FAB. Parecia ser o fim de um período de muita tensão.

Posteriormente soube-se que a decisão foi muito mais econômica do que política. Os navios de pesca, por estarem fora da plataforma continental, ficaram sem pescar por mais de um mês, acarretando grande prejuízo para os armadores.

Um retorno difícil

Na manhã do dia 13 de março, o Pernambuco (capitânia), o Apa, o Acre e o Araguari partiram do Recife rumo ao Rio de Janeiro. No final da tarde daquele dia o Acre, com sérios problemas no seu grupo destilatório e marejamento de água salgada nos tanques de reserva 1 e 4, desincorporou-se do grupo com destino ao porto de Maceió (AL). Antes de partir para o Nordeste, o Apa foi retirado com urgência do dique Ceará e o reparo de solda nas costuras da chapa do tanque de reserva não foi devidamente executado, permitindo a entrada de água do mar.

SDM via NGB
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A MB teve diversos problemas com o sistema de propulsão dos seus navios, principalmente nos CT da classe A e M. Na foto acima o Araguari, que apagou tanto na ida ao Nordeste como na volta.

O Tamandaré e o Riachuelo partiram de Salvador e juntaram-se ao grupo no final da tarde do dia 14. Na madrugada do dia seguinte, ao Sul de Abrolhos, o Apa simplesmente apagou. O Pernambuco foi prestar socorro. O Araguari, em companhia do Tamandaré, seguiu viagem. A Imperial Marinheiro, que partiu de Natal no dia 13, foi chamada para rebocar o Apa. Antes da chegada da corveta, o contratorpedeiro conseguiu, por meios próprios, restabelecer a propulsão e rumar para o porto de Vitória.

No dia 16 de março, já próximo de Cabo Frio, foi a vez do Araguari apagar. O navio ficou sem propulsão por três horas, apenas sujeito ao sabor da maré e envolto por um denso nevoeiro. O problema foi posteriormente resolvido e o contratorpedeiro seguiu para o AMRJ, onde chegou no começo da tarde daquele dia. Neste mesmo dia partiram do Recife os navios Barroso, Paraná e Pará, constituindo o GT 21.1.

Os últimos navios que deixaram o Nordeste foram os contratorpedeiros Greenhalgh e Marcílio Dias, que constituíram o GT 12.5, no dia 28 de março. Como anteriormente, não foi uma viagem sem percalços e ambos foram para o porto de Salvador no dia 29 por problemas de "água de alimentação".

Em relação às aeronaves, o destacamento de sete aeronaves P-16 do 1º/1º GAE foi desmobilizado no dia 12 de março e em Natal permaneceram somente duas delas. O retorno do último P-16 ocorreu efetivamente no dia 18 daquele mês. Ao final da mobilização, o grupo realizou um total de quarenta missões sendo oito delas de caráter noturno (num total de 254 horas e 20 minutos).

Considerações finais

A Operação Lagosta (ou Guerra da Lagosta como ficou mais conhecida na imprensa nacional) foi mais um exemplo dentre vários existentes na história brasileira de como o país é dependente de suas Forças Armadas para garantir sua soberania e seus interesses, ambos questionados pela França neste episódio. A França, uma das últimas nações do mundo que o Brasil poderia imaginar ter que enfrentar num conflito armado, tornou-se da noite para o dia uma ameaça concreta ao país.

Pode-se, e deve-se, trabalhar com hipóteses de conflitos mais prováveis e enumerar potenciais agressores, mas as Forças Armadas devem sempre estar prontas para o pior e para o improvável, independentemente de como e de onde venha a ameaça. Isto já era uma verdade naquela época. No mundo atual é mais do que a garantia da sobrevivência.

SDM via NGB
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O contratorpedeiro Rio Grande do Norte uma das unidades FRAM II da MB, foi deslocado para a costa do Amapá quando surgiu uma nova possibilidade de conflito.

Pode-se dizer que foi um caso esporádico ou mesmo um evento solitário dentro de um amplo histórico de amizade entre os dois países e que uma situação como aquela dificilmente se repetiria. Para o desencanto dos defensores desta idéia, ela repetiu-se. No final de 1978, durante a chamada "guerra do camarão", França e Brasil chegaram a posicionar suas unidades militares nas proximidades do Cabo Orange, junto à fronteira entre os dois países (Amapá e Guiana Francesa). Nesta ocasião a mobilização foi menor e somente o contratorpedeiro Rio Grande do Norte foi deslocado do Rio de Janeiro. No referido evento, quatro pesqueiros de bandeira norte-americana foram metralhados por navios da MB e posteriormente apreendidos. Um deles, na época denominado Night Hawk, foi incorporado à MB e hoje seve ao CIABA.

Se a atitude belicosa da França foi uma surpresa, o que dizer da reação do governo norte-americano em relação aos navios arrendados? Países aliados, e até mesmo parceiros em acordos de defesa mútua, podem assumir posições, se não neutras, diametralmente contrárias. Foi uma dura lição (e a história está cheia delas) de que não existem países amigos, mas sim países com interesses comuns. Quando estes interesses perdem o sentido ou são suplantados por outros interesses maiores, os países "amigos" afastam-se. A propósito, durante toda a crise, nenhum país, formal ou informalmente, apoiou ou sustentou a tese brasileira.

Aprendeu-se muito com o episódio. A mobilização tempestuosa das unidades, dada a urgência do caso, mostrou que uma marinha deve possuir um número mínimo de unidades sempre preparadas para situações emergenciais. Para isso, ela deve estar devidamente equipada e seus homens perfeitamente adestrados durante o período de paz. Depender de verbas contingenciadas e ficar no aguardo de promessas de novas emendas e créditos suplementares, que vagam ao sabor de congressistas despreparados, não é a forma mais correta de se ter uma marinha atuante.

Uma avaliação posterior indicou que a mobilização e o envio de um grande número de navios de combate foi desnecessária. Porém, naquele momento, era difícil afirmar que a reação francesa limitar-se-ia somente ao envio do contratorpedeiro Tartu (posteriormente substituído pelo Aviso Paul Gofeny), sendo que na costa africana existia uma Força-Tarefa tão ou mais poderosa que toda a Marinha do Brasil.

Por outro lado, a movimentação dos diversos navios da MB demonstrou a determinação do Brasil em manter a sua posição e transmitiu a impressão de que todos os meios estavam plenamente operantes e em estado de alerta. No caso da dúvida, a França resolveu não apostar no pior ou numa aventura militar descabida. Este é um exemplo clássico de dissuasão, tarefa básica do Poder Naval e papel fundamental de qualquer marinha que se preze.

O episódio mostrou também a importância de aeronaves de esclarecimento marítimo com grande raio de ação e dotadas de equipamentos modernos e sofisticados. Mais importante ainda teria sido a possibilidade de empregá-las (no caso dos P-16A) a partir do navio-aeródromo Minas Gerais. Com um grupamento aéreo embarcado seria possível monitorar todos os passos da Força-Tarefa francesa antes mesmo que esta deixasse a costa africana, revelando com antecipação a movimentação do inimigo, número, tipo de unidades navais, estado de prontidão, etc. Por um breve período o Estado Maior da Arnada (EMA) não teve certeza de quantas e quais unidades estavam a caminho da costa nordestina. Esta seria uma missão em que o NAeL Minas Gerais ajudaria muito.

FAB
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Os futuros P-3BR (na foto o primeiro exemplar da FAB ao chegar na Espanha para modernização) darão uma nova capacidade de patrulha marítima ao Brasil, perdida com a desativação dos P-15 e aposentadoria dos P-16.

Por sua vez, o único navio-aeródromo da MB esteve incapaz de navegar e assim permaneceu atracado ao AMRJ durante toda a crise. Possuir navio-aeródromo é uma capacidade que poucas marinhas no mundo tem, mas contando-se com apenas uma unidade desse tipo corre-se o risco de a mesma não estar disponível quando necessário.

Em relação ao acompanhamento dos navios franceses, merece destaque o excelente trabalho realizado pelas estações ERGAF no monitoramentos das emissões eletromagnéticas dos franceses. Utilizando apenas duas estações e uma infra-estrutura modesta, o EMA permaneceu atualizado constantemente sobre as diversas trocas de mensagens entre os navios franceses. As ERGAF foram de grande utilidade para o serviço de inteligência da Marinha.

Relegada praticamente ao papel de uma unidade de adestramento, a Flotilha de Submarinos pouco pôde auxiliar no esforço da MB. Eram apenas duas embarcações (esperava-se a aquisição de outras duas) que representavam o estado tecnológico existente na II Guerra Mundial. Além de serem unidades "pré-snorquel" numa era onde já navegavam submarinos nucleares, não possuíam armamento adequado para um engajamento real (torpedos com cabeça de combate). Deve-se ressaltar o louvável esforço da extinta FTM (Fábrica de Torpedos da Marinha) em encher 9 cabeças de exercício com trotil e transformá-las em cabeças de combate.

Depois da Operação Lagosta, a marinha começou a remodelar a Flotilha de Submarinos tanto no aspecto doutrinário quanto no aspecto material. Em maio de 1963, ou seja alguns meses após o episódio da lagosta, a designação foi modificada para Força de Submarinos (ForS). Naquele mesmo ano foi criada a Escola de Submarinos e outros dois fleet-type (Bahia e Rio Grande do Sul) foram adquiridos. Estas unidades vieram a ajudar no adestramento das tripulações, mas a MB nesta época já estudava a aquisição de um tipo de submarino moderno. Nesse período surgiram os primeiros estudos que acabaram definindo a aquisição da classe Oberon (aprovado no Programa de Construção Naval de 1968).

Obviamente que um caso como este merece uma reflexão mais profunda do que a exposta aqui. Foram apenas traçadas considerações gerais. Mas este caso da história recente do país, muitas vezes relegado ao esquecimento por interesses escusos, demonstra bem uma das funções primordiais das Forças Armadas, em especial da Marinha. Um assunto importante numa hora oportuna onde são calorosas as discussões sobre a "Amazônia Azul".
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