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Operação Lagosta - A Guerra que não Aconteceu (Parte III)

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Kadu Queiroz
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Operação Lagosta - A Guerra que não Aconteceu (Parte III)

Mensagem por Kadu Queiroz »

Operação Lagosta (Parte III)
A Guerra que Não Aconteceu

Guilherme Poggio

Fonte - Poder Naval Online

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Reprodução de manchete de um jornal da época

Começa a mobilização

Na noite do dia 21 de fevereiro (quinta-feira), o presidente Goulart reuniu-se com os ministros da Marinha e da Aeronáutica em Brasília. Nesta época, as duas Forças não possuíam um bom relacionamento, pois a disputa pela operação de aeronaves a bordo no NAeL Minas Gerais ainda existia. Posta de lado, esta questão não atrapalhou a elaboração de um plano que visava o reforço das unidades militares do Nordeste com o envio de pessoal e equipamento a partir do Rio de Janeiro. Esquadrões da FAB e unidades de superfície da Marinha deveriam ser deslocadas para a região o mais breve possível.

A mobilização efetiva ocorreu no dia 22, uma sexta-feira, véspera de carnaval. O Ministro da Marinha determinou a preparação de um Grupo-Tarefa composto por um cruzador e quatro contratorpedeiros. Este GT deveria seguir imediatamente para Recife. Um outro grupo composto por um cruzador, alguns contratorpedeiros e submarinos, assim que estivessem preparados, deveriam seguir viagem para o Nordeste também. A mobilização deveria seguir em frente sob sigilo máximo. No caso de indagações, a resposta deveria ser "exercício programado".

No dia 23 (Sábado de carnaval) o Conselho de Segurança Nacional reuniu-se no Palácio do Itamaraty. O Ministro das Relações Exteriores presidiu a reunião na ausência do presidente (então curtindo o carnaval em São Borja/RS). Após tomarem conhecimento dos últimos movimentos diplomáticos, os participantes passaram a discutir as medidas que deveriam ser implementadas. Dentre elas, a divulgação de declarações à imprensa com o intuito de mobilizar a opinião nacional para a grave situação enfrentada.

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Jornais da época destacando o relacionamento entre Brasil e França e a decisão de mandar um navio de combate para a costa brasileira.

Desde a primeira hora que o EMA (Estado Maior da Armada) soube do deslocamento de um navio de guerra francês para a costa brasileira, as Estações Radiogoniométricas* de Alta Freqüência (ERGAF) do Pina (localizada no Recife naquela época e transferida para Natal em 1994) e de Salinas de Margarida (Bahia) passaram a rastrear as emissões eletromagnéticas de todos os navios franceses navegando no Atlântico. A participação das ERGAF foi fundamental no acompanhamento dos navios durante a crise.

Os preparativos da Marinha

Na manhã do dia 22 de fevereiro foram tomadas as primeiras medidas para a criação de um Grupo-Tarefa (GT). Inicialmente foi necessário convocar o mais breve possível oficiais e praças para guarnecer os navios, pois a maioria estava de férias. Havia também necessidade de aquisição de sobressalentes e mesmo material de uso comum. Para piorar a logística, o tanque arrendado junto à companhia ESSO em Recife tinha capacidade para apenas 6.000 t de combustível, quantidade insuficiente para atender todo o GT. Como se não bastasse isso, a esquadra naquela época não contava com um Navio-Tanque e foi necessário arrendar um da Frota Nacional de Petroleiros (FRONAPE), subsidiária da Petrobras. O navio escolhido foi o N/T Mato Grosso, que deslocava 21.000 t.

J. Sins/Brazilian Ships Through The Years
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Perfil do N/T Mato Grosso, arrendado junto à FRONAPE. O Mato Grosso foi construído em Glasgow (Escócia) e completado em 1952.

Em relação ao material flutuante, os navios em melhores condições eram os contratorpedeiros da classe Pará (exceção feita ao Paraíba, cujas caldeiras estavam em manutenção) e o Greenhalgh (classe M). Estes navios podiam iniciar viagem de imediato. Algumas unidades da classe A também poderiam ser usadas, caso fosse necessário. Porém, a situação era crítica para os contratorpedeiros de escolta da classe Bertioga. Três estavam docados (Bracuí, Beberibe e Bocaina), dois preparavam-se para entrar no PNR (Babitonga e Bauru), o Benevente e o Bertioga tinham problemas com os eixos e o Baependi possuía restrições de velocidade.

A situação dos submarinos não era muito melhor. O Humaitá foi descartado de imediato, pois não tinha condições de se mover. Já o Riachuelo necessitava de substituição total da sua rede de pressão, mas era possível colocar o mesmo em movimento em dez dias (de acordo com as primeiras análises).

O estado dos dois cruzadores era preocupante. Os principais problemas com o Tamandaré estavam associados aos grupos destilatórios. Estimava-se que o mesmo não poderia ser reparado com menos de 15 dias. O Barroso poderia navegar, mas somente com quatro das suas oito caldeiras (o mínimo necessário para colocá-lo em movimento eram três). Até mesmo o NAeL Minas Gerais, que chegou ao Rio de Janeiro dois anos antes totalmente reformado, não tinha condições de se locomover.

O quadro operativo dos navios da esquadra, bem como do armamento/munição foram expostos na reunião do Almirantado realizada a portas fechadas na tarde do dia 22. A situação era a seguinte:

Munição - A situação era dramática. A dotação dos navios da esquadra (dotação de paz) poderia ser consumida em menos de trinta minutos durante um engajamento. Nos depósitos do Centro de Munição da Marinha (CMM) não existia munição suficiente para recompletar a dotação de paz de todos os navios (exceção feita aos projéteis de 20 mm). Para completar todos os navios com dotação de guerra, seria necessário o dispêndio de aproximadamente um milhão de dólares. Mesmo que a munição estivesse disponível, os batelões para distribuí-las entre os diversos navios da MB estavam em péssimo estado e não existiam em número suficiente para um atendimento urgente.

Equipamentos de abandono e salvamento - Eram itens extremamente críticos nos navios da MB daquela época. Geralmente estes equipamentos possuem um período de validade e devem ser repostos com uma certa periodicidade. Em função da crônica falta de verbas, muitos itens da palamenta não atendiam ao número mínimo estipulado em acordos internacionais ou já estavam fora do período de validade. Foram liberados, em caráter emergencial, verbas no valor de Cr$ 20.000.000,00 para a aquisição de 800 coletes salva-vidas e 49 balsas, e no valor de Cr$ 5.899.680,00 para compra de1.200 conjuntos de ração de abandono. Essas aquisições atenuaram o problema, mas não o sanaram de vez.

Lanchas dos navios - Situação lastimável. Dos oito contratorpedeiros de escolta (uma lancha por navio), só a lancha do Babitonga funcionava. Das dezesseis lanchas existentes nos outros 13 contratorpedeiros, só sete estavam em condições operacionais. Somando as lanchas dos dois cruzadores, somente três das dez estavam em bom estado.O recém-adquirido Minas Gerais possuía duas lanchas operando de um total de seis.

Controle de Avaria e estanqueidade de compartimentos - Somente os navios da classe Pará resistiriam a uma inspeção ligeira por possuírem equipamento completo e em bom estado. Os demais navios, principalmente os de construção nacional (classe M e A), seriam condenados operativamente e impedidos de se movimentar por não possuírem as mínimas condições de segurança para navegar.

Esquadrões da FAB em alerta

Coube à FAB a realização de missões de esclarecimento marítimo com o emprego de aeronaves de longo alcance. O 1º/7º Grupo de Aviação, sediado em Salvador (BA), passou a realizar missões de esclarecimento da área marítima a leste do arquipélago de Fernando de Noronha, numa profundidade de 500 milhas.

Naquela época, o 1º/7º GAv estava equipado com aeronaves P2V Neptune. O Neptune nasceu no final da II Guerra Mundial fruto do acúmulo de vasta experiência norte-americana adquirida na caça aos U-boats alemães. Infelizmente chegou muito tarde para participar do conflito. A versão utilizada pela FAB (o P2V-5) estava entre as mais avançadas e começou a ser construída a partir de 1951. Os primeiros exemplares brasileiros (designados P-15) chegaram a Salvador em fins de 1958. Eram excelentes aeronaves de patrulha e ASW em 1963, perdendo apenas em tecnologia para os novíssimos S2F Tracker.

FAB/divulgação
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Um P-15 da FAB com o padrão de cores adotado durante a década de 1970. Quando estes aviões foram recebidos, ostentavam uma pintura "Midnight Blue", baseada nos padrões da USN. Na fuselagem, logo acima da palavra "FORÇA" existia uma torreta com dois canhões de 20 mm, retirados logo no início dos anos sessenta.

No Nordeste a FAB ainda contava com os veteranos B-17 para auxiliar as tarefas dos P-15. Estes aviões ficavam baseados em Recife (PE) e pertenciam ao 6º Grupo de Aviação (GAv). Não dispunham de nenhum equipamento especial para esclarecimento e o reconhecimento era totalmente visual. As versões SAR (SB-17G) e de reconhecimento aerofotográfico (RB-17G) da famosa “fortaleza voadora” foram utilizadas pela FAB a partir de 1951. Das 13 aeronaves recebidas, três haviam sido perdidas até 1963. Por serem aviões ultrapassados, sua aposentadoria na FAB não demoraria muito.

O grande reforço viria de Santa Cruz, onde estava baseado o 1º Esquadrão do 1º Grupo de Aviação Embarcada (1º/1º GAE) e seus P-16. Na época da "Crise da Lagosta", a FAB tinha recém incorporado 13 aeronaves Grumman S2F-1 (localmente designado P-16A) Tracker. O Tracker entrou em atividade na USN em 1954 e no início da década de 1960, ainda era a aeronave ASW embarcada mais moderna do mundo. Os aviões contavam com uma suíte eletrônica bastante complexa para a época, incluindo radar de busca, radar Doppler, radar-altímetro de baixa altitude, sensor MAD, sistema de contramedidas eletrônicas, “sniffer” e outros.

A formação do Grupo-Tarefa

Sob a denominação "Operação Lagosta", um GT deveria ser formado e enviado o mais breve possível para Recife. A idéia de constituir o GT Vermelho 12.2 com o cruzador Tamandaré, três contratorpedeiros da classe Pará e o Greenhalgh e, posteriormente, enviar outro cruzador e mais escoltas tão logo estivessem prontos, começou a se desfazer quando o estado do material flutuante foi apresentado.

Com diversos problemas nas caldeiras e nos grupos destilatórios, o Tamandaré foi descartado de imediato. O Pará, com problemas na bomba de alimentação principal e falta de pessoal para guarnecer o navio, teve sua saída adiada para a parte da tarde do dia 24 e o Greenhalgh, com avarias em sua maquinaria, só pôde deixar o Rio de Janeiro na noite do dia seguinte (chegando ao Recife na tarde do dia 28. Desta forma, o GT 12.2 partiu para a cidade de Recife às 3:27h da madrugada do dia 24 somente com os contratorpedeiros Paraná (onde seguia o Comandante do Grupo-Tarefa, Contra-Almirante Boiteux) e Pernambuco.

SDM via NGB
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O contratorpedeiro Paraná era uma das unidades mais modernas da MB em 1962. Permaneceu em atividade até 1982, quando deu baixa.

Na embaixada dos EUA a movimentação era atípica para uma noite de carnaval. Durante a madrugada, o Adido Naval dos EUA telefonou ao Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), solicitando uma audiência urgente. A contragosto e em companhia do seu Ajudante-de-ordens, o CEMA recebeu o militar norte-americano numa audiência curta e pouco amistosa.

O Adido Naval foi logo indagado sobre o real motivo de uma audiência no meio da madrugada. O Adido trazia uma mensagem do embaixador dos EUA. Este recebeu ordens diretas do Departamento de Estado para que os dois contratorpedeiros que partiram do Rio de Janeiro com destino ao Nordeste regressassem imediatamente. Segundo ele, a lei do Senado norte-americano que concedeu o empréstimo desses navios proibia o uso dos mesmos contra qualquer aliado do EUA como a França.

Realmente, não só o Pernambuco e o Paraná, mas os outros dois contratorpedeiros da classe Fletcher (Pará e Paraíba) foram transferidos por empréstimo de cinco anos e, naquela época, ainda constavam na lista de unidades pertencentes à Marinha dos Estados Unidos. Esta era uma das facetas negativas dos acordos de transferência de material bélico dos EUA para as Forças Armadas brasileiras.

A resposta do CEMA foi a seguinte:

"Peço ao 'Capitain' para solicitar ao Exmo. Sr. Embaixador dos EUA que comunique ao seu Governo, em Washington, que, inspirado nos fundamentos do pan-americanismo, que tem como uma das principais fontes a Doutrina Monroe, formulada por um Presidente dos EUA há 140 anos, o Brasil cortou relações diplomáticas, e depois, manteve o estado de beligerância com o Japão, em virtude da agressão ao território americano sofrido com o ataque a Pearl Harbor. O Brasil honrou o seu compromisso assumido por ocasião da Conferência de Havana em 1940, onde se declarou que um ataque por um Estado não americano contra qualquer Estado americano é considerado como ataque contra todos os Estados americanos. Sabemos que os EUA têm compromissos políticos e militares com a França em virtude do tratado do Atlântico Norte, firmado em 1949. Entretanto antes desse Tratado, os EUA em 1947, nesta cidade do Rio de Janeiro, lideraram a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que teve como Propósito prevenir e reprimir as ameaças e os atos de agressão a qualquer do países da América, baseado nos princípios de solidariedade e cooperação interamericanas. Assim sendo, configurando a agressão francesa, como anunciado em Paris, o Brasil espera que os EUA honrem os seus compromissos na defesa coletiva do continente americano declarando guerra contra a França, como o Brasil honrou seus compromissos declarando guerra contra os japoneses na 2ª Guerra Mundial, sem nunca ter sido agredido por eles. E está dispensado ... e pode se retirar."
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